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domingo, 3 de março de 2013

Helena Celestino, ¨em busca do tempo perdido¨



Procura-se Papa entre 60 e 70 anos, boa saúde, fluente em várias línguas, com capacidade de liderança e articulação política, sólida formação humanista e teológica, cabeça aberta, comunicativo, tolerante e com muito amor no coração. Dá-se preferência a não europeus. Se a ala progressista da Igreja vencer o duelo com a força conservadora da Cúria, este será o perfil do cardeal eleito para substituir Bento XVI, que se recolheu após uma cerimônia de adeus coreografada com requintes do cinemão de Hollywood.
“Está na hora de uma revolução no Vaticano, algo similar à Primavera Árabe que sacudiu uma série de regimes autoritários” , grita Hans Küng, o grande intelectual católico, rival de Joseph Ratzinger desde os anos 60, em artigo no “International Herald Tribune”.

Mais que ninguém, o catedrático emérito de Teologia Ecumênica da Universidade de Tübing sabe que os mais de dois mil anos da Igreja não são comparáveis aos 200 anos de reinado na Arábia Saudita ou às décadas de ditadura na Tunísia e no Egito. Mas o papado - diz - nem sempre foi uma monarquia absolutista como atualmente e, com veemência, defende uma união dos cardeais mais corajosos para exigir a eleição de um Papa aberto à modernidade, um defensor da liberdade e dos direitos humanos dentro da Igreja.

O diagnóstico e a receita parecem certeiros para os males da hierarquia católica. Mas dá para o Vaticano se reinventar? Küng, aparentemente, é o único a desafinar o coro dos teólogos, quase unânimes em alertar que as reformas da Igreja - se acontecerem - serão muito lentas. A maioria acha que progressistas e conservadores, ao enfrentarem as questões polêmicas, praticamente só mudarão o tom, farão condenações explícitas ou serão evasivos ao tratarem de casamento de padres, ordenação de mulheres, união gay, contraceptivos, divórcio e o resto da longa lista de comportamentos há muito integrados à vida cotidiana e condenados pelos hierarcas. “Ninguém deve amordaçar os cardeais como se fez em 2005 para que se ativessem às diretrizes”, defende Küng.

Tudo indica que estas questões morais nem entrarão em discussão nas reuniões dos cardeais que começam amanhã, mas estão na cabeça de católicos e não católicos. Talvez figure na pauta a liberdade de expressão, quesito em que a Igreja parou na Idade Média e sua intransigência levou à expulsão de quadros qualificados - como o brasileiro Leonardo Boff. Em pleno século XXI, padres ainda são submetidos ao “silêncio obsequioso”, ou seja, ficam obrigados a calar a boca quando têm opinião divergente da linha oficial ou a se retratar de qualquer interpretação mais independente do catolicismo. Na época de Paulo VI, o cardeal Solano, então chefe de estado do Vaticano, sem pudor, afirmou que não queria bispos inteligentes, queria bispos obedientes. Otimistas, no entanto, acham que um caminho pode se abrir para um Papa progressista, já que o impossível não para de acontecer na Santa Sé.

“A eleição de um não europeu seria uma mensagem de abertura”, aposta a teóloga brasileira Jussara Linhares. Está mais do que na hora. Nos 17 dias de despedida de Bento XVI, com revelações incessantes sobre os escândalos e mazelas da Cúria, a narrativa sobre o Vaticano ficou parecida com alguns dos piores momentos de Brasília: telefones grampeados, brigas de poder, corrupção, vazamento de documentos, campanhas de difamação - sem falar nos crimes sexuais mais em voga lá do que aqui.
“É estranho: estão em ação o Papa Emérito, o Papa a ser escolhido e o Papa provisório, o polêmico Bertone”, diz J. D. Vital, autor de “Como se faz um bispo”, da Record.

A autoridade máxima da transição entre os dois papas é Tarcísio Bertone, atual camerlengo e secretário de estado do Vaticano nos anos Bento XVI. Ele é um personagem constante do Vatileaks, as cartas secretas do Papa roubadas por seu mordomo. A parte mais leve destes documentos foi publicada em “Sua Santidade”, um livro do jornalista italiano Gianluigi Nuzzi, com histórias nada edificantes sobre os bastidores do poder, algumas acobertadas por Bertone. Por exemplo: depois de criticar o então primeiro-ministro Silvio Berlusconi, o diretor do jornal católico “Avenire”, Dino Boffo, vira alvo de uma campanha de difamação em que é acusado de abuso e assédio sexuais. Ao apurar quem está por trás das denúncias, chega ao diretor do “L’Osservatore Romano”, supostamente agindo com o apoio de Bertone. Numa carta ao Papa, acusa os dois e, um ano depois, volta ao cargo, sem nem pedido de desculpas. Nada menos cristão.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/mundo/em-busca-do-tempo-perdido-7727201#ixzz2MViMxgph
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