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Vamos falar na liberdade do Pai, a liberdade absoluta Daquele que se manifesta como uma ¨pessoa¨ que quer se relacionar com o homem. Este relacionamento se dá num ¨diálogo¨ histórico.
Quando digo que nos relacionamos com Deus num diálogo, quero dizer que Deus não dita regras ao homem, ou seja, não nos impõe a Sua liberdade absoluta. Dito de modo bem simples: Deus respeita a nossa liberdade de aceitá-lo, ou de rejeitá-lo.
É na vida do homem que se dá esse diálogo histórico, por meio do qual o Pai convida a sua criatura pessoal a ser parceira da criação, fazendo uso da liberdade que os cristãos dizemos ser contingente. Isto é acatar o convite de Deus Pai e fazr uso da liberdade, que em nós é marcada pela finitude e pela condição de criaturidade do homem (tenho sede, tenho frio, tenho necessidades afetivas, necessito conhecer cada vez mais, quero crescer...).
Não posso resumir aqui tudo que a inteligência humana produziu, em quase dois milênios, sobre os atributos de Deus. Quero, apenas, apontar a própria realidade de Deus que, misteriosamente, nos atrai para Ele (é o que dizemos, vim de Deus, volto para Deus).
Essa atração permite que o homem, passageiro na história, compreenda Deus como quem somente revela a Sua liberdade na experiência de amar.
É muito importante perceber o que Deus deseja. Sim, e isto é muito bacana: Deus tem desejo. E o desejo de Deus é percebido num agir amoroso em nosso espaço e em nosso tempo.
Mas agora, atenção ao que vou dizer:
o agir de Deus se constitui em manifestações históricas e concretas, e isto somente pode ser corretamente compreendido, como Rahner recorda, com a expressão de Tomás de Aquino, ao afirmar que Deus age através de causas segundas.
Se não compreendermos exatamente o que Tomás ensinou, vamos cair numa imagem de Deus deturpada por nossa experiência: vamos incidir num equívoco comum, como naquele exemplo clássico de dois vizinhos: um, pede a Deus que chova para fazer crescer a sua lavoura; e o outro, pede a Deus que não chova, para que a festa de casamento de sua filha possa ser no jardim. O querer de Deus não é fazer chover para um e fazer não chover para o vizinho. Nem Deus privilegia um, em detrimento dos outros. Lembremos do Evangelho: Deus faz chover sobre todos: justos e injustos !!! E se é assim, vamos entender como é que se dá o AGIR de Deus na história, com Rahner, que toma a frase de Santo Tomás e diz:
“Deus opera o mundo e não propriamente opera no mundo, ele sustenta a cadeia das causalidades, mas não por sua atividade. Deus não se insere nessa cadeia das causas como um elo, como se fosse uma causa entre as outras”.
Dito de outro
modo,
A própria cadeia como todo, ou seja, o mundo no inter-relacionamento de suas partes e não somente em sua unidade abstrata e formal [...], constitui a auto-revelação do seu fundamento.
E este fundamento mesmo não se pode encontrar como tal imediatamente nessa totalidade. Pois que o fundamento não aparece no seio do que é fundado, se ele é realmente o fundamento radical e, portanto, divino.
Deus Pai - que os Testamentos confessam Criador do mundo -
apresenta a sua criação como obra de seu querer que, por sua absoluta liberdade,
quis criar.
Deus expressa o seu agir em uma criação contínua, fruto de
uma liberdade que é como “o fundamento que
não aparece no seio do que é fundado”. E não aparece porque é o misterioso fundamento da relação amorosa que Deus, o Mistério que Rahner
chama Santo, quis estabelecer com a sua criatura.
Voltando ao início da meditação de hoje, é bonito perceber que a ação de Deus no curso na história da
salvação não se resume a um monólogo que Deus conduza por si só.
Ao contrário,
é uma relação que implica “um diálogo longo e dramático entre Deus e a sua
criatura, pelo qual Deus confere ao homem o poder de dar uma genuína resposta à
sua própria Palavra, valendo-se do dom de sua liberdade que, ao longo de nossa
existência humana, é dom que incessantemente nos abastece”.
Por isso, na boa expressão de Rahner,
a História não é um mero teatro no qual Deus se
coloca no palco onde as suas criaturas vão desempenhar papéis previamente determinados.
Diferentemente, o homem é co-autor deste drama que é a um só tempo divino e
humano e que tem seu desenrolar na história.
Decorre como lição ao cristão que a História tem
uma seriedade real, que não pode ser relativizada pela ideia de que tudo brota da vontade de Deus, a quem nada é capaz de resistir.
O
cristão sabe que o poder de dar uma real resposta a Deus estará sempre
condicionado à última palavra, que é sempre
a de Deus, porque o homem não tem poder para sobrepor-se
ao último agir de Deus que é amar criando.
Cf. TNT 111.