Esta passagem de Lucas nos dá uma dentre as sete últimas palavras de Jesus Cristo: lembre-se de mim quando entrar no seu Reino. Costumamos brincar com ela, pois o per-dão, que Jesus dá ao ¨bom ladrão¨, faz com que ele, conhecido por são Dimas, tenha se tornado o único santo que não precisou ser canonizado.
Esta passagem inclui uma enorme oração de Rahner sobre as sete últimas palavras de Jesus Cristo crucificado.
As sete últimas palavras são:
1ª) Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem... (Lc 23, 34)2ª) Em verdade eu te digo, hoje, estarás comigo no paraíso. (Lc 23, 43)3ª) ... Mulher, eis aí o teu filho. Filho, eis a sua mãe. (Jo 19, 26)4ª) Eli, Eli, lemá sabactáni. Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? (Mt 27, 46)5ª) ... Tenho sede. (Jo 19, 28)6ª) Tudo está consumado. (Jo 19, 30)7ª) Pai, em tuas mãos eu entrego o meu espírito. (Lc 23, 46)
Apresento como tema para a oração de hoje a passagem de Lc 23, 43. Com esta oração, Rahner se mostra atordoado diante da cena que contempla.
Da imensidão do injusto, ele passa a contemplar a cena, não mais como um espectador, mas como um participante. Rahner entra na cena, como santo Inácio nos ensina.
Durante toda a sua oração, Rahner se dirige a Jesus. Chama-o de Você, e relata o que vê, do próprio ponto de vista. um Jesus que Rahner vê que sofre.
E a oração de Rahner é uma aula para conhecermos em profundidade a capacidade de perdoar de nosso Senhor Jesus Cristo.
No tempo em que Ele já vê a morte tão próxima, Ele cuida dos outros, da mãe a quem ele dá um filho, de todos os filhos a quem ele dá a Sua Mãe.
Rahner se choca com o olhar de Jesus, cujo coração é tão pleno de misericórdia, que rejeita a noite escura da morte e mergulha seus últimos instantes na luz da eternidade.
Este olhar iluminado pela eternidade permite a Jesus ver o ¨bom ladrão¨ redimido por Ele, o nosso Redentor, que purifica o coração de alguém que percebeu, no companheiro crucificado, Deus. E essa misericórdia, diante do pedido de que se lembrasse dele, faz Jesus responder: ainda hoje estarás comigo no paraíso.
Eu ando procurando, mas percebo que nas diversas traduções da bíblias que conheço, é a única vez que Jesus se refere ao Reino de Deus como o paraíso.
E Rahner vai orando a transformação operada por Jesus no companheiro crucificado, ao ponto de ele, também, se encher de coragem e pedir a Jesus que lhe permita a ousadia de um dia pedir que Jesus se lembre dele e que os lábios de Jesus permitam que ele morra ¨plenamente perdoado e santificado pelo poder purificador de uma morte em Você e com Você¨.
Em verdade eu
te digo, hoje,
estarás comigo no paraíso. (Lc 23, 43)
Você está agora
na agonia da morte, Seu coração está repleto de angústia e, ainda assim, Você
tem um lugar no Seu coração para a dor do próximo. Você está à beira da morte,
e ainda assim Você se preocupa com um criminoso agonizante, que confessa que a
angústia infernal de sua morte é mera punição por sua vida de maldades. Você vê
a Sua mãe de pé, mas Você se dirige primeiro ao filho pródigo. Uma sensação de
que Deus O abandonou Lhe oprime, mas Você fala de paraíso.
Os Seus olhos
estão cada vez mais escuros na noite da morte, mas eles ainda vêem a luz da
eternidade. Na morte, a única preocupação do homem é consigo, aí o homem está
totalmente só, totalmente entregue a si. Mas a Sua preocupação é com as almas
que vão entrar no Seu Reino com Você. Sua misericórdia é Seu coração ! Coração
forte e corajoso.
Um criminoso
pede que Você se lembre dele. E você lhe promete o paraíso. Será que alguma
coisa vai ser diferente depois que Você morrer? Será que uma vida de pecado e
vícios se transformará nessa rapidez ao Você se aproximar? Quando Você disser
palavras que transformem uma vida, será que mesmo os piores pecados e fraquezas
serão transformados pela graça e nada mais haverá para afastar um criminoso do
Santo Deus?
Certamente nós
também admitiríamos um pouco de boa vontade com um ladrão como ele. Mas as
maldades, os vícios, a brutalidade, a corrupção e a mesquinharia, tudo isso não
desaparece diante de um pouco de boa vontade e de arrependimento por alguém
crucificado. Um homem assim não entra no céu tão rapidamente quanto um
penitente ou alguém que se tenha purificado por um longo período, alguém como os
santos que tiveram que santificar seus corpos e almas para se fazerem dignos do
Deus trino. Mas Você pronuncia a toda-poderosa palavra da Sua graça e ela vai
direta ao coração desse ladrão. Ela transforma o fogo infernal de sua agonia
mortal em chama purificadora do amor divino. Este divino amor transfigura num
piscar tudo o que resta do trabalho do Pai, e consome todo o mal e a culpa que
impede Deus de entrar neste coração.
Você também vai
me conceder a graça de nunca perder a coragem de ser suficientemente ousado
para pedir e esperar qualquer coisa de Sua bondade? A coragem de pedir mesmo
que eu fosse o mais condenável dos criminosos: “Oh, Senhor, lembre-se de mim quando Você entrar no Seu Reino.”
Oh, Senhor,
permita que a Sua cruz esteja preparada no meu leito de morte. E permita que
Seus lábios digam também para mim: Em
verdade eu lhe digo, hoje, você estará comigo no paraíso.” Apenas esta
palavra e eu me tornaria merecedor do Reino de Seu Pai, eu me tornaria
plenamente perdoado e santificado pelo poder purificador de uma morte em Você e
com Você.
Tradução livre de Jussara Linhares, The seven last words, in
Prayers for a lifetime. NY:
Crossroad, 1984, págs. 48 a 59. Originalmente publicado em Gebete des Lebens,
Verlag Herder Freiburg im Breisgau. 1984.
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