A devoção ao Sagrado Coração de Jesus e a espiritualidade de santo Inácio de Loyola
Neste artigo, Rahner esclarece que este carisma não pertence apenas a uma congregação da Igreja e nem todos os seus membros a vivem com igual intensidade. A consequência que ele tira é que somente podemos avaliar um determinado carisma, olhando o todo da Igreja.
A partir desse ponto, ele ensina que os pontos centrais de uma espiritualidade (no caso da inaciana: a indiferença, o existencial e o eclesial) vão encontrando ¨perigos¨ ao longo da história e do tempo e encontram na devoção ao Sagrado Coração de Jesus uma espécie de ¨corretivo¨, algo que funcione como um antídoto aos elementos do mundo que podem atuar contra determinada espiritualidade. Vamos ver nas palavras de Rahner como funciona este belo antídoto.
Rahner, em um artigo, fala de sua espiritualidade com o
surpreendente auxílio da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, que é uma das marcas da
espiritualidade da Companhia de Jesus.
Ele aponta três elementos centrais da
espiritualidade inaciana como sendo: a indiferença, o existencial e o eclesial,
que lutam permanentemente contra alguns perigos que encontrariam corretivo na
devoção ao Sagrado Coração de Jesus.
Por isso, ele assevera que a
espiritualidade e a devoção ao Sagrado Coração de Jesus formam uma unidade
essencial que deve ser seriamente examinada.
Ele reconhece que é difícil para
qualquer congregação religiosa manter o seu carisma através do tempo e, além disso, cada
membro da Companhia apenas manifesta este carisma num maior ou menor grau.
Nesse artigo, Rahner pede que, nesse
momento de meditação, o leitor se volte para o seu “interior” ao invés de
julgar de pronto a espiritualidade vivida pelos outros. Isto porque nenhum
carisma na Igreja é único, particular a uma só ordem, portanto, o ¨todo da variedade¨
de espiritualidades somente faz sentido no contexto de toda a Igreja.
Ele observa um certo
desleixo nos carismas de várias ordens
e diz que, ao tempo em que devemos aceitar os benefícios deste desenvolvimento, devemos
também resistir a seus perigos. Para Rahner, nós devemos aceitar os vários impulsos espirituais que penetram em nossas vidas,
porque faz parte do nosso destino trabalhar para desenvolvê-los e neles basear o
caminho condutor de nosso próprio caráter e temperamento.
As características essenciais da
espiritualidade inaciana, para Rahner, são:
·
A indiferença – que ele traduz
como um senso refinado da relatividade de tudo que não é Deus, e a convicção de
que Deus é sempre maior;
·
O existencial – que ele traduz
como a reunião prática das ramificações da indiferença. É a separação que
faz o indivíduo sempre aberto a Deus, embora Deus possa revelar-Se no vazio ou
na plenitude; e
·
O eclesial – que ele traduz
como o amor de Inácio pela Igreja, que não era um homem ingênuo. Rahner faz esse alerta porque nós amamos
a não-ambígua Igreja visível, apesar de suas fraquezas e fracassos, amando, assim, todas as coisas finitas que Deus tenha desejado, porém conhecendo tudo que há como
não sendo Deus.
E a devoção ao Sagrado Coração de Jesus
atua como um contrapeso interior da espiritualidade inaciana, porque o que há
de especial em cada carisma não é a história toda. De fato, o que há de
especial, algumas vezes é perigoso num estado quimicamente puro. Estranho
como pode parecer, devemos trabalhar para desenvolver virtudes fora do usual
para equilibrar como um contra-peso aos elementos destrutivos de um carisma.
A indiferença pode ser pervertida e se transformar em puro funcionalismo; o existencialismo pode levar à dureza de coração, e o amor da igreja pode levar a igreja a ser um fim em si mesma. A devoção ao Sagrado Coração de Jesus é o requisito antitoxina, gerada pela espiritualidade inaciana em si, contra estes perigos inerentes a ela.
Rahner aponta como as características
da indiferença, do existencial e do eclesial podem ser corrompidas e como o
“amor” é o seu antídoto e adverte:
Mas a última fonte do amor é o Coração do
Senhor. Daí que a espiritualidade inaciana somente pode ser saudável se amar aquele
Coração e amar numa unidade com ele. De outro modo, tudo isto é o que há de
mais sublime em si e se torna o mais mortal, porque qualquer antídoto efetivo deve estar relacionado ao que ele combate, por isso, a devoção
ao Sagrado Coração de Jesus e a espiritualidade inaciana devem estar
intrinsecamente relacionadas.
O Sagrado Coração de Jesus é, ao mesmo
tempo, a fonte e a salvaguarda das três característica associadas à
espiritualidade inaciana. Para Rahner, o amor venerado no Sagrado Coração de
Jesus funciona desse jeito com relação à indiferença, ao existencialismo e ao
amor à igreja. Em cada análise, o mote é o mesmo: Rahner aponta como cada um
dos três é um produto, um momento intrínseco do amor.
Apenas quando ele é vivido radicalmente até as
últimas consequências é que ele evita os perigos que o cercam. Nós que somos
animados pela bênção de ter o Espírito do amor soprando do coração perfurado de
Cristo devemos compreender como na morte da indiferença, nós vivemos para
viver;
como suportamos a solidão de nossa própria unicidade apenas porque
podemos, no amor, descobrir o outro e servi-lo; e como amamos a Igreja a fim de
amar todos os homens.
Cf. 384E) 1955 – Spiritualité ignatienne et dévotion au Sacré-Cœur: Les Carnets du Sacré-Cœur 13 (1956) 25-43 e RAM 35 (1959) 147-166 e em inglês, Ignatian Spirituality and Devotion to the Sacred Heart: Woodstock Letters 91 (1962) 18-35. No original, Ignatianische Frömmigkeit und Herz-Jesu-Verehrung: Korrespondenzblatt des PGV im Canisianum zu Innsbruck 90 (1955) 5-17.
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