Hoje é dia de celebrar Camões.
O jesuíta João J. Vila-Chã, postou em seu FB
o lindo texto a seguir:
Neste Dia de Camões, que é também o do Anjo que proteje Portugal, gostaria de me aproximar a uma reflexão, certamente simplificada e desprovida de elementos que vão para lá do que aqui se pode dizer, sobre o que seja a nossa condição de sermos filho/a/s de Portugal:
os que estão nele, como os que fora estamos; os que são parte do Portugal que está na Europa, bem como todos os outros que pelo mundo, de uma forma ou de outra, de Angola a Timor, do Brasil a todos os cantos deste mundo global em que se fala e escreve Português, reconhecem que a sua história é também parte de Portugal: todos, neste dia, nos recordamos que a Comunidade de Língua Portuguesa (real ou potencialmente com quase 250 milhões de agentes) é uma realidade que todos podemos afirmar, que todos devemos querer afirmar, que o próprio mundo precisa que nós, que somos dela, definitivamente afirmemos: sem presunção, mas com coragem; sem anacronismos, e contudo com ênfase e sentido do valor que nos seja próprio.
Portugal tem mais de 800 anos de história e os seus pergaminhos merecem o maior respeito por parte de todas as nações civilizadas que estão à face da terra; a nossa história é longa, os feitos dos nossos antepassados fora-do-comum; temos um passado cheio de contradições, e contudo sabemos que numa coisa Portugal sempre acertou: ao fazer-se aos caminhos do mundo, por mar ou por terra, ou ainda por qualquer outro lugar, para dizer no mundo a Palavra que nos é essencial, que nos dá sentido e razão de ser, que nos faz ser quem somos. Muitas vezes, Portugal conseguiu dizer o que queria; mas mais frequentemente ainda, Portugal teve que aprender das suas próprias derrotas que, com a Palavra que levamos, com o Espírito que nos dá identidade, com a força que nos habita, não há derrota que para nós seja definitiva: Portugal, por definição, é uma nação-em-crise, um País em esforço continuado de quem sabe que não pode não ir mais além de si, não sair para fora-de-si, não abraçar o Outro.
Durante séculos, este abraço deu-se não só com guerra e com armas, mas também com corpos entrelaçados e espíritos em estado de ebulição; agora, porém, é tempo de abraçar, numa dialéctica que o seja de identidade e alteridade, num generosos processo de re-subjectivação da nossa própria realidade; enfim, é tempo de comungar sem nos perdermos, sabendo que só a Comunhão nos faz ser a parte melhor de quem somos; é hora de trabalhar sem esperar recompensa, pois a nossa recompensa é o gosto de fazer bem o que se faz, de dizer a palavra que se é, de mostrar que somos, não por nós apenas, mas para todos.
Em Portugal nunca deixou de haver crise, desde que Portugal veio ao mundo; em Portugal nunca se deixou de sair da crise, pois a Crise é permanente; em Portugal nunca se fecham bem as contas, pois estas estão sempre, cronicamente, ainda por fazer. Portugal, por isso, merece respeito, pois Portugal, sendo o que é, é uma Nação-ao-Aberto: com abertura para o mar mais profundo; para o mundo mais longínquo; para os Povos, as Culturas e as Civilizações; de facto, Portugal é assim porque tem Deus no coração, porque a nossa Alma não é nossa, mas d'Aquele que nos faz.
Por isso, em tempos de crise, ora agudamente sentida ora estranhamente esquecida, Portugal tem uma simples vocação, que deveria ser exemplar: perseverar na Esperança, não se render mais às evidências da mediocridade, aos jogos do poder mesquinho, às fragilidades das situações e das conjunturas. Sendo pequeno, Portugal é grande; sendo-o, Portugal será tanto maior quando mais profundamente reconhecer a sua grandeza na sua pequenez, as suas vitórias nas suas derrotas, a sua força na sua mesma debilidade.
De resto, foi assim que o nosso maior Poeta, Luiz Vaz de Camões, se fez: estudando e aprendendo; viajando e trabalhando; amando e deixando-se amar. Cometeu erros, o Poeta? Ninguém duvide. Mas também há que nos certificarmos que só um poeta decaído se pode levantar; só um viajante intrépido pode passar de náufrago (nas costas do Mekong) a desvelador da grandeza de Portugal, mesmo quando no ano da Morte do autor da nossa maior Epopeia (1580) Portugal, aos olhos do mundo, apenas parecia ter deixado de ser, reduzido a uma pequena sombra da sua grandeza de antanho. Estando caído, Portugal reencontrava pela Voz do Poeta a sua verdadeira grandeza; mergulhado na Crise, Portugal renascia poeticamente; destroçado, era a Voz do Outro que Portugal ouvia:
"Formosa filha minha, não temais
Perigo algum nos vossos Lusitanos,
Nem que ninguém comigo possa mais,
Que esses chorosos olhos soberanos;
Que eu vos prometo, filha, que vejais
Esquecerem-se Gregos e Romanos,
Pelos ilustres feitos que esta gente
Há-de fazer nas partes do Oriente.
"Que se o facundo Ulisses escapou
De ser na Ogígia ilha eterno escravo,
E se Antenor os seios penetrou
Ilíricos e a fonte de Timavo;
E se o piedoso Eneias navegou
De Cila e de Caríbdis o mar bravo,
Os vossos, mores cousas atentando,
Novos mundos ao mundo irão mostrando.
Por eles vereis, filha, edificados;
Os Turcos belacíssimos e duros,
Deles sempre vereis desbaratados.
Os Reis da índia, livres e seguros,
Vereis ao Rei potente sojugados;
E por eles, de tudo enfim senhores,
Serão dadas na terra leis melhores.
(Os Lusíadas, Canto II, 44-46)
Como Português, sinto orgulho que o Dia Nacional do meu País, para além do Anjo que reconhecemos na Fé (e que seria Portugal sem o Anjo que nos proteje?), não seja aquele em que se celebra uma das muitas vitórias militares que tivemos; de facto, neste dia de Portugal, nem sequer a efígie de um grande comandante ou caudilho se levanta. Não, Portugal levanta hoje o estandarte da sua Fé, a efígie do seu maior Poeta, aquele que tão trabalhosa e genialmente nos faz saber o que saber precisamos: os nossos feitos projectam-nos para o Oriente, coisa que se vê seja no Significado do Milagre de Ourique seja em muitas das maiores linhas da nossa história (pessoalmente, estou convencido que Portugal chegou ao Brasil apenas por uma grande razão: dobrar o Cabo da Boa Esperança e assim abeirar-se do Oriente que o esperava!); a nossa vocação histórica é a de mostrar novos mundos ao mundo, mundos que estavam fora e agora estão dentro; a nossa missão foi, e terá de continuar a ser, a de dar Deus ao mundo, fazendo deste um mundo de Deus, uma terra com leis sempre melhores; de facto, dar mundos ao mundo, e ao Mundo Deus, foi, e terá de ser, o maior orgulho, caso algum, de Portugal.
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