Neste mundo, então o
centro das inovações, surge uma vanguarda que escandaliza, que prega a
renovação da sociedade por meio da guerra e a convivência com o contraditório.
Isso não quer dizer que o mundo que Rahner viu parecesse louco: muito mais do que isso, o que Rahner viu, foi a reação
que fez surgir o antimoderno e que obrigou o “esforço quotidiano” de suas
ideias a dialogar o cristianismo com os expoentes da filosofia, da
política, das ciências e da cultura de então, a partir do belo arrazoado que
ele mesmo dá:
Eu não sou apenas uma ideia; eu não posso abandonar a história nas mãos das minhas ideias.
Por isso, eu sei que a história de Jesus não pode derrotar-me e deixar-me abandonado, ainda que, naturalmente, ela se encontre carregada de todo o relativismo do histórico e com todas as obscuridades do conhecimento dos fatos consumados (1).
Assim, atento ao mundo e às mudanças no seu entorno, Rahner
manteve em sua vida pessoal amizade com escritores, como a novelista Luise
Rinser (2), ensaístas e poetas católicos, que lhe renderam demonstrações
desse seu cuidado na observação lúcida do mundo que o cercava, o que foi perenizado na
edição de livros comemorativos de várias datas natalícias suas.
Na passagem de seus
60 anos (3), a edição conta com textos de Heinrich Böll (4) e de Gertrud von Le Fort (5), além do filósofo M. Heidegger, dos teólogos protestantes
ecumênicos, K. Barth, R. Bultmann e G. Ebeling (6), dentre centenas de outros nomes.
Acredito que este grito de Rahner - Eu não sou apenas uma ideia; eu não posso abandonar a história nas mãos das minhas ideias - seja um verdadeiro ato de fé. Rahner não admite que as ideias que brotavam de todos lados da renovada cultura de então pudessem incorporar e reduzir Jesus Cristo a mais uma boa ideia...
Para o cristão, este é um perigo recorrente, porque quanto mais eu reduzo Jesus apenas ao que nós hoje descobrimos sobre o Jesus histórico, mais eu me sinto derrotada e abandonada, diante da ausência de Deus.
Nós sabemos, e sabemos disso com muito orgulho e alegria pelo trabalho humano, que nos últimos 50 anos, a ciência histórica descobriu mais dados sobre a Bíblia e, em especial, sobre as análises do Jesus histórico, do que em todo o restante da era cristã.
Mas devemos estar atentos, porque Jesus Cristo, o Senhor, é inalcançável cientificamente! As pesquisas históricas enriquecem o nosso conhecimento sobre a sua historicidade humana. Mas o Cristo, o nosso Senhor Jesus, só conhecemos por meio do Espírito Santo de Deus.
(1) RAHNER. SZT, vol. XIV
(1980), 17-18. Citado por H. Vorgrimler, in Karl Rahner: Experiencia de Dios en su vida y en su pensamiento (abaixo como EDV) 16.
(2) Luise Rinser (1911-2002) uma das maiores novelistas e contistas do
século passado, vendeu mais de cinco milhões de livros em alemão, fora as
traduções em vinte outros idiomas. Alemã, nascida na Bavária, católica, teve a
vida marcada por desafios: feminista, pacifista, lutou contra armas nucleares e
protestou contra as guerras. Fez campanha por Willy Brandt e em 1984 concorreu
à presidência do então jovem Partido Verde.
Casou-se com o músico Günther Schnell e com ele teve duas filhas. Com a
ascensão do Nazismo e a recusa do casal em colaborar com o regime, teve seu
marido morto em 1943 e ela, sob igual condenação foi presa e escapou da morte
com o fim da Guerra. Em 1954, casou-se
com o já então famoso compositor de Carmina Burana (1927), Karl Orff, de quem
se divorciou em 1959. . In EDV. p.
114-116.
(3) Ao completar 60 anos, Rahner recebeu esta homenagem em dois volumes
de 667 e 964 páginas, respectivamente. O título, Deus no mundo. A “Tábula
gratulatória” incluía 14 cardeais, 2 patriarcas, 24 arcebispos, 150 bispos,
numerosos teólogos protestantes, além de 564 pessoas de todos os âmbitos
imagináveis. Rahner considerou esta impressionante lista de nomes como um tipo
de escudo protetor. In EDV 121.
(4) Heinrich Böll (1917-1985), ganhador do Prêmio Nobel de Literatura
em 1972, deixou uma vasta obra cuja tônica é a luta contra a omissão, a
injustiça e a opressão. Defensor implacável dos direitos humanos,
antimilitarista convicto e um dos primeiros ativistas em defesa do meio
ambiente, pela sua postura inabalável, pelo seu papel na divulgação dos ideais
democráticos e o seu ativo engajamento nas causas pacifistas, Böll foi eleito o
símbolo da integridade humana.
(5) Gertrud von Le Fort (1876-1971), protestante convertida ao
catolicismo, a poetiza alemã é autora de vários livros, tendo alguns deles sido
reescritos para o teatro e o cinema.
(6) EDV 121.
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