Ícone da Mãe de Deus de Vladimir
Texto de João J. Vila-Chã, sacerdote, professor na Universidade Gregoriana, Roma.
Quando há cerca de três semanas passei pela cidade de Moscovo, e tendo apenas um dia para fazer o que mais ou melhor me apetecesse, entre as coisas que mais desejei fazer, e contudo não fiz, até porque já o tinha antes feito, foi rever a Galeria Tretyakov, um dos Museus mais interessantes que temos, digo, no espaço cultural a que pertencemos, sobretudo porque é ali, e só por isso o digo, que se encontram Tesouros e mananciais de Espiritualidade como sejam o Ícone da Santíssima Trindade de Andrej Rubliev e o, para mim, não menos extraordinário Ícone da Mãe de Deus de Vladimir, Imagem que hoje apresento tal como a vejo, ou seja, como Ícone da "Mãe de Toda a Ternura".
Como em 1993, quando tive a graça de o contemplar em primeira pessoa, ainda hoje, mesmo que por via indirecta, me impressiona saber, diante de uma imagem como esta, a devoção que os Povos da Rússia sempre dedicaram, ao longo de tantos séculos, a este extraordinário Ícone, o qual julgo ser um autêntico sacramental da Presença do Divino e de manifestação da Graça de Deus na História do Mundo.
Depois da revolução bolchevique de 1917, o Ícone foi "dessacralizado" e, arrancado ao seu lugar original, foi colocado na Galeria a que acima me referi, coisa que não impedia incontáveis pessoas de continuavam a passar seja nas ruas circunvizinhas, seja mesmo entrando no Museu, de forma a, de modo imperceptível, levantarem os olhos e, sobretudo, o coração, para o lugar onde sabiam estar o Ícone da sua protecção, a Imagem da Ternura que Deus tem por todos e cada um/a.
Neste início do Mês de Maio, mês de Maria, e neste Dia da Mãe, desejo colocar tudo o que me ocupa, com dificuldades e expectativas, mas sobretudo todas as pessoas que comigo, a começar por este espaço virtual, cada dia se cruzam, ou alguma vez cruzaram, ou ainda virão a cruzar, sob a Protecção Maternal da Mãe de Deus, da Mãe de toda a Ternura, da Mãe do Divino e inconfundível Amor.
Apesar da extensão, aproveito a ocasião para acrescentar uma lição que me chegou e chega através do exemplo, e da palavra, do Padre Jean Vanier, conhecido fundador das comunidades “Arche” e «Fé e Luz», todas elas ao Serviço de crianças e jovens portadores de graves deficiências físicas ou psíquicas, mas sempre segundo uma lógica orientada à superação daquilo que o mesmo Jean Vanier julga ser o maior problema que a sociedade de hoje tem: a falta de Liberdade Interior, nomeadamente no que se refere ao nosso maior medo, o de simplesmente ser, coisa que, naturalmente, nos faz impacientes, nos coloca em fuga (de nós próprios e dos outros), nos condena ao escapismo em todas as suas formas. Ou não é precisamente por isso que nos nossos dias milhares de crianças diagnosticadas com doenças particularmente graves, antes ou depois de nascerem, sejam sacrificadas aos falsos deuses dos nossos critérios sociais de beleza e riqueza, de bem-estar e “felicidade”? Com isso, porém, os verdadeiros perdedores não são apenas os que uma sociedade alimentada de critérios egoístas e falsamente “felicitários” exclui da existência; não são aqueles e aquelas que, incapazes de cuidar de si nos dizem que todos precisamos uns-dos-outros e que quem não é para os outros tampouco o é para si. Não, os maiores prejudicados com as consequências do aborto ou do infanticídio, do abandono ou da apressada institucionalização, somos precisamente “nós”, os que ainda temos a ilusão de poder pensar que somos o que somos só porque somos o que somos; que somos não o que somos mas apenas o que temos (riqueza, beleza, inteligência, etc.); que somos os melhores porque temos a capacidade de dispor sobre quem não é como nós. Sim, nós somos os prejudicados, porque não reconhecer no outro o Outro que ele revela e é, de facto, é dar a si próprio prova de falta de fé, do medo de existir, da vergonha de ser.
Posto isto, com a Imagem da Senhora da Ternura de Vladimir e o magnífico testemunho de Jean Vanier e seus companheiros no coração, saúdo e felicito todas as Mães, ainda que de um modo especial todas as que num dia como hoje, igual a todos os outros, beijam e abraçam, e isso tanto no presente como no passado, e assim também no futuro, filhos e filhas diferentemente constituídos, diferentemente problemáticos, dificilmente amáveis. E porquê? Precisamente, por esta razão muito simples: as mães e os pais que amam o que tantos acham que não é “amável” dizem para lá de toda a retórica, e com a mais profunda das razões que a Razão tem o que o Amor realmente é: Incondicional. Sim, mais uma vez: não há maternidade verdadeira que não seja, realmente, de alguma forma, incondicional. Caso contrário, poderemos ter úteros de aluguer, mas não uma Maternidade constituinte das Raízes da própria Humanidade que somos. E só por isso, ou sobretudo por isso, é que acho tão importante “celebrar” o Dia da Mãe, ou seja, não por razões ridiculamente comerciais, nem sequer por razões apenas afectivas, mas sobretudo como gesto de reconhecimento do que é e significa a Maternidade, ou seja, aquela determinação do coração que faz as mães de verdade e sem a qual a Humanidade, mesmo que tecnicamente possa continuar a existir, pura e simplesmente não possa prosperar, tanto mais que só o Amor nos faz crescer pelo que sem este praticamente nada vale. Mas se, realmente, só prospera quem, para todos os efeitos, ama, então é importante olhar para o Modelo de toda a Maternidade, para a Mãe de Toda a Ternura, pois só Ela, Mãe sem réstia de pecado, nos mostra de verdade o caminho que serve ao Progresso que almejamos: o do corpo e o das instituições, certamente; mas sobretudo, ou acima de tudo, aquele que, como seres humanos, mais nos deveria importar: o da Alma, ou seja, o da nossa Liberdade!
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